Discussões Anticlericais

“O corpo torna-se, mais uma vez, o instrumento da salvação. (...) Em seu Exame do espírito novo (...), Alberto, o Grande, fala do princípio ao qual se referem os adeptos do Livre-Espírito: “Quem está unido a Deus pode impunemente saciar seu desejo carnal de qualquer maneira, com um e outro sexo, e até invertendo os papéis”. Para praticar a liberdade sem culpa, é preciso desfazer-se de todos os dogmas que submetem a uma hipotética salvação ou a uma possível condenação: nessa ordem das idéias, o Paraíso, o Inferno, o Purgatório são relegados a armazéns de acessórios perversos. (...) As vias de acesso tradicionais e dogmáticas são condenadas: jejuns, macerações, ascetismo são declarados indignos e maléficos. O pecado é derrubado em proveito de uma moral situada para além do bem e do mal que recomenda o máximo de gozo aqui e agora: o erro, o mal dos cristãos, é superado. Também se convida ao roubo, ao adultério e a qualquer outra transgressão que vise a satisfação do corpo, dos sentidos, da carne e da matéria. A ofensiva concerne igualmente aos ensinamentos teológicos oficiais: a virgindade de Maria e sua imaculada concepção, a transubstanciação são tolices, são engodos grotescos, instrumentos de dominação dos corpos e das almas. (...) Os Irmãos e Irmãs do Livre Espírito não acreditam na ressurreição, que se ensina apenas com o objetivo de fazer cada um renunciar a seu desejo em proveito de uma hipotética felicidade celeste. (...) Desfrutar no instante do que é possível realizar. Nunca adiar, nunca deixar para amanhã um prazer possível aqui e agora, nunca abandonar uma certeza por uma esperança. Viver, viver e viver mais...”

Michel Onfray, A ARTE DE TER PAZER, p. 252, 253