quarta-feira, 15 de maio de 2013

LEMBRAR É RE-EXISITIR - Homenagem a JOEL VASCONCELOS SANTOS (1949-1971)

Nesta QUINTA FEIRA (16/05), colocaremos mais uma placa, desta vez em homenagem a JOEL VASCONCELOS SANTOS (1949-1971).

Segundo o Dossiê da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos elaborado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos:

            "O nome de Joel também integra a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95. Baiano de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, afro-descendente, trabalhou inicialmente como sapateiro e começou, muito jovem, a desenvolver interesse por questões políticas. Sua mãe, Elza Joana dos Santos, tornou-se, após o desaparecimento do filho, uma incansável ativista do movimento dos familiares de mortos e desaparecidos. Em 1966, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde Joel estudou contabilidade na Escola Técnica de Comércio. Foi presidente da Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas - AMES/RJ em 1970 e diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas - UBES em 1970 e 1971. Quando de sua prisão e desaparecimento, estava vinculado à União da Juventude Patriótica, organizada pelo PCdoB.
            Joel Vasconcelos e Antônio Carlos de Oliveira da Silva foram presos nas imediações do Morro do Borel, na esquina das ruas São Miguel e Marx Fleuiss, no Rio de Janeiro, em 15/03/1971, por uma ronda policial que desconfiou serem ambos traficantes de drogas. Por mais de três meses Joel e “Makandal”, como era conhecido Antônio Carlos, ficaram detidos e incomunicáveis. Aos apelos de Elza Joana, os agentes da PE e os oficiais do Ministério do Exército com os quais conseguiu falar, responderam com evasivas.
            Primeiro confirmaram a prisão, mais tarde negaram e, pouco depois, informaram que ele já havia sido liberado. Mas os dois continuavam detidos. Elza Joana apelou a Dom Eugênio Salles, Dom Ivo Lorscheiter, aos jornalistas Sebastião Nery e Evaldo Diniz, ao presidente da OAB, ao senador Danton Jobim, ao deputado Chico Pinto e ao professor Cândido Mendes. Após enviar carta ao presidente da República, Garrastazu Médici, recebeu em sua casa uma visita de agentes do DOPS, que a levaram até o gabinete do general Sizeno Sarmento. O comandante do I Exército prometeu esclarecer completamente o episódio, mas nada foi informado.
            Makandal conta que ele e Joel conversavam numa esquina, quando passou o carro da polícia. Joel assustou-se e comentou que havia documentos políticos nos pacotes que carregava. Os policiais armados cercaram os dois e revistaram os pacotes. Foram algemados e levados ao 6° Batalhão da PM e, em seguida, ao quartel da PM na rua Evaristo da Veiga. De lá, foram encaminhados à Polícia do Exército, onde Joel permaneceu até o seu desaparecimento, sob constantes interrogatórios durante os quatro meses em que Makandal esteve preso. O preso político Luiz Artur Toríbio, em seu depoimento na Auditoria Militar, denunciou que um dos policiais do DOI-CODI/RJ afirmou “que se não confessasse teria o mesmo fim que ‘Joel Moreno’, que foi morto por policiais do DOI do RJ”.
            Em depoimento transcrito no livro Desaparecidos Políticos, de Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, depois de descrever os espancamentos sofridos por ambos desde o momento da prisão e nas duas unidades da PM por que passaram antes de serem conduzidos ao Exército, Makandal relata: “Lá, na PE, começou tudo muito tranqüilo ao ponto de a gente imaginar que não iríamos ser torturados. Caiu a noite e começamos tudo novamente. (...) Era pau-de-arara, choque e tudo o mais. Um mês nesse sofrimento e nós já estávamos com queimaduras por todo o corpo em virtude dos choques elétricos. Levaram então o Joel para a ‘esticadeira’, com uma pedra amarrada
nos testículos. Fiquei apavorado e me trancafiaram numa ‘geladeira’. Depois me pegaram para assistir às torturas de Joel e me fizeram um montão de perguntas”.
            Registros oficiais comprovando a prisão de Joel somente foram localizados em 1991, após a abertura dos arquivos do DOPS/RJ, onde foi encontrado documento do Serviço de Informações do Estado Maior da PM/2, do então Estado da Guanabara, datado em 17/03/1971, que confirma a prisão de Joel em 15/03/1971, descrevendo, inclusive, o material impresso com ele apreendido e, também, seu primeiro depoimento, quando informou o endereço da própria residência. Documentos do DOI-CODI do I Exército de 15/03/1971 e de 19/03/71 também trazem declarações de Joel. O Relatório apresentado pela Marinha, em 1993, ao ministro da Justiça Maurício Corrêa, informa que Joel foi “preso em 15/03/1971 e transferido para local ignorado”.

No ato desta quinta contaremos com a presença de Maria Dalva, mãe de Thiago Silva, uma das quatro vítimas da chacina do Borel que este ano completou 10 anos. Assassinados pela Polícia Militar, os crimes foram justificados pela corporação como Autos de Resistência, prática que surgiu no período da ditadura civil-militar para também justificar os assassinatos cometidos pelos agentes da repressão. A vinculação entre estas histórias se faz extremamente necessária neste momento de reflexão sobre as violações de direitos humanos do passado, num contexto de um Estado violento e policialesco que exerce uma prática terrorista em que temos mais assassinatos cometidos pelo aparato policial no período da "democracia" do que no período da ditadura.



sexta-feira, 29 de março de 2013

Edson Luiz Souto (1950-1968)


"A morte do secundarista Edson Luiz Lima Souto ficou como grande marco histórico das mobilizações estudantis de 1968. Com 18 anos recém-completados, 1m59 de altura e armado apenas com o sonho de conquistar condições dignas na escola onde estudava, foi morto com
um tiro certeiro no peito, disparado à queima-roupa por um tenente da PM, em 28/03/1968, contra estudantes que se manifestavam no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. A bala varou seu coração e alojou-se na espinha, provocando morte imediata.
Indignados, seus colegas não permitiram que o corpo fosse levado ao IML, conduzindo-o para a Assembléia Legislativa em passeata. Lá, sob cerco de polícias civis e militares, foi realizada a autópsia e aconteceu o velório. O caixão chegou ao cemitério João Batista nos braços de milhares de estudantes.
Nascido em Belém do Pará, Edson era filho de uma família muito pobre que se empenhou para enviá-lo ao Rio de Janeiro, a fim de que concluísse os estudos secundários. Matriculou-se no Instituto Cooperativo de Ensino, nas proximidades da Secretaria de Economia do Estado. Conforme entrevistas concedidas à revista Fatos e Fotos por integrantes da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço, o garoto não chegava a ser um líder estudantil. Falava pouco e ainda estava meio desconfiado, mas colaborava colando jornais murais e dando recados, contaram os colegas. Estava programada mais uma passeata e Edson resolveu jantar mais cedo, naquele 28 de março, para ter tempo de preparar alguns cartazes. Segurava a bandeja na mão quando começou uma correria e foi atingido por um cassetete no ombro. Os policiais militares, que tinham invadido o local, começaram a atirar. Os estudantes armaram-se de paus e pedras para responder. Foi quando Edson caiu. Na mesma ocasião, tiros atingiram o comerciário Telmo Matos Henrique e o estudante Benedito Frazão Dutra.
Conforme a versão de algumas testemunhas, o tenente PM Alcindo Costa teria ficado enraivecido ao ser atingido por uma pedrada na cabeça. Outros jovens presentes no local afirmaram que Edson foi atingido por se encontrar à porta quando a tropa chefiada por Alcindo entrou em formação
fechada de ataque. O local da morte foi o principal motivo que levou o relator do processo na CEMDP a propor o indeferimento do caso. No seu entendimento, o Calabouço não configurava “dependências policiais ou assemelhadas”, conforme exigido na Lei nº 9.140/95. Houve um pedido de vistas e,
no novo relatório, prevaleceu por estreita margem a argumentação de que o restaurante estava invadido pelas forças policiais e, portanto, poderia perfeitamente ser considerado um local assemelhado às dependências exigidas legalmente para configurar a responsabilidade do
Estado na morte. Com base nisso, o processo foi deferido."
(Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos)

Antônio Marcos Pinto Oliveira (1950-1972) Lígia Maria Salgado Nóbrega (1947-1972) Maria Regina L. Leite de Figueiredo (1938-1972) Wilton Ferreira (?-1972)


Esses quatros militantes da VAR-Palmares foram mortos no Rio de Janeiro em 29/03/1972, em circunstâncias até hoje não esclarecidas, ficando o episódio registrado como “Chacina de Quintino”. A versão dos órgãos de segurança só foi divulgada uma semana depois, em 06/04/1972. A manchete dos jornais informava que nove militantes teriam se entrincheirado na casa 72, na Avenida Suburbana, nº 8695,
bairro de Quintino, naquela data, tendo três deles morrido no local (Antônio Marcos, Lígia Maria e Maria Regina), enquanto os demais teriam conseguido fugir. Segundo o “livro negro” do Exército, essa residência seria o aparelho onde moravam James Allen da Luz, o principal dirigente da VAR naquele momento e Lígia Maria. O número da casa também é informado em documentos oficiais como sendo 8988. Outro militante, ainda não identificado segundo as informações publicadas, teria morrido em uma oficina mecânica da VAR-Palmares, em Cavalcanti. O “livro negro” o indica como sendo Hilton Ferreira, com H no nome, em vez de W.
As primeiras notícias trocavam as identidades dos mortos. Entre os nomes de Quintino, não se incluía Antonio Marcos e sim James Allen da Luz, dirigente da mesma organização, que fugiu do cerco. Maria Regina era citada como morta, mas a foto publicada era de Ranuzia Alves Rodrigues, que morreria em 1973. Somente o nome de Ligia aparecia corretamente, mas a entrada de seu corpo no IML, datada de
30 de março pela guia nº 1, é de uma desconhecida, assim como dos outros. Dias depois, foi divulgado o nome Hilton Ferreira como sendo a identidade do militante morto na oficina mecânica, à Rua Silva Vale, 55, Cavalcanti.
Antônio Marcos era carioca, seminarista e atuou no Movimento Estudantil entre 1966 e 1968. Estudou no Colégio João Alfredo, onde teve uma de suas poesias premiada em concurso interno do colégio. Durante o seminário participou de um trabalho comunitário em Osvaldo Cruz, subúrbio do Rio, na paróquia do Padre João Daniel. Depois de militar na Ala Vermelha, ingressou na VAR-Palmares. Em 1971 foi
do a ir para a clandestinidade, quando foram presos vários companheiros do trabalho comunitário em Osvaldo Cruz, noticiado na imprensa como Grujoc, isto é, Grupo de Jovens de Osvaldo Cruz. Foi morto aos 22 anos.
Lígia Maria nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, mas viveu desde criança em São Paulo, terceira numa família de seis irmãos. Tinha estudado no Colégio Estadual Fernão Dias Pais, no bairro de Pinheiros, onde fez o Curso Normal. Em 1967, ingressou na Pedagogia da USP, onde se destacou por sua capacidade intelectual, pela liderança no Grêmio da Pedagogia e por buscar modernizar métodos de ensino. Trabalhava também como professora. Em 1970, engajou-se nas atividades clandestinas da VAR-Palmares. Os órgãos de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro inglês, David Cuthberg, em 5/2/1972, numa ação que pretendia simbolizar a solidariedade dos Revolucionários brasileiros com a luta do povo irlandês e com o IRA. Foi morta aos 24 anos, quando estava grávida de dois meses.
Maria Regina nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta dentre seis filhos de um médico pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz e de uma assistente social do Inamps. Fez o primário e o ginásio no Colégio Sacre-Couer de Jesus e o científico nos colégios Resende e Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia. Formou-se em Pedagogia em 1960, pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Foi integrante da JEC e da JUC e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base-MEB, apoiado pela Igreja Católica. Ali permaneceu entre dois e três anos, sendo transferida para Recife, onde conheceu Raimundo Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966, sendo então militantes da AP. Juntos, trabalharam em um projeto de educação de índios no Paraná, por meio da Funai. Raimundo tinha sido morto em 28 de abril de 1971, em Recife, conforme já registrado neste livro-relatório. Após a morte do companheiro, Maria Regina voltou ao Rio de Janeiro. O casal deixou duas filhas: Isabel e Iara, que tinham três e quatro anos quando a mãe foi morta, aos 33 anos.
Consta, no “livro negro” do Exército, que Maria Regina era a responsável pelo setor de imprensa da organização no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária.
Sobre Wilton, a CEMDP não possui qualquer dado e nem sequer a certeza de ser este o seu nome verdadeiro. O processo foi protocolado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos na expectativa de que sua família pudesse ser localizada, o que não ocorreu. Seu nome constava em dossiês anteriores como Wilson Ferreira ou como Hilton Ferreira, nome que também consta nos documentos oficiais relativos à morte, junto ao de Onofre Rodrigues de Moraes, que seria sua identidade falsa.
A verdade dos fatos nunca foi estabelecida. James Allen da Luz, que estava na casa de Quintino e conseguiu fugir, relatou a companheiros que chegou a ver quando Maria Regina foi ferida na perna, sendo presa pelos agentes policiais. Sua família, ao receber o corpo, constatou que tinha a perna inchada, o que indica não ter morrido naquele momento. Maria Regina estivera na véspera na casa de sua irmã Maria Alice, onde viviam suas duas filhas, tendo ali pernoitado, o que fazia com alguma freqüência. No dia seguinte, despediu-se dos familiares no bairro de Bonsucesso. A família viajou e somente no dia 3 de abril. Maria Alice foi avisada por telefone da prisão de Maria Regina no dia 29 de março, com a informação de que fora ferida na perna.
O telefonema alertava a família para que a buscasse imediatamente, pois estava presa há muitos dias. Procuraram imediatamente o Departamento de Relações Públicas do Exército, que negou a prisão. Mas, por meio de um militar amigo, souberam que ela estava presa, em situação muito grave. No dia 5 de abril, no início da tarde, o mesmo amigo informou à família que ela acabara de morrer e que as notícias seriam divulgadas ainda naquela noite e nos jornais do dia seguinte, o que de fato ocorreu, mas com a falsa versão de morte em tiroteio e sem a sua identificação.
No dia 6 de abril, ao comparecer ao IML para reconhecer o corpo, sua irmã e o cunhado, ambos médicos, constataram escoriações generalizadas e marcas de vários tiros, que segundo eles certamente eram posteriores ao alojado na perna, onde havia reação inflamatória. O corpo ainda não fora necropsiado e tiveram que providenciar prova datiloscópica para que fosse liberado. Em 7 de abril, foi finalmente fornecido o óbito, assinado por Eduardo Bruno, tendo como base autopsia detalhada que teria sido feita em 30 de março, antes da data em que os familiares viram o corpo, que não possuía nenhuma sutura da incisão de autopsia.
Maria Regina dera entrada no IML como desconhecida, com a guia nº 2, proveniente do DOPS, com a data da morte de 30 de março. Portanto, morreu no dia seguinte à sua prisão. O laudo dizia que a morte foi causada por “feridas transfixantes de crânio e tórax com destruição parcial do encéfalo, lesão da artéria aorta, hemorragia interna e conseqüente anemia aguda”. Os familiares denunciaram, em seu pedido à CEMDP, a existência do laudo necroscópico detalhado e assinado, com data anterior à morte, quando podiam testemunhar que o cadáver não apresentava incisão de autopsia. Maria Regina foi sepultada pela família no Cemitério São João Batista.
Os quatro laudos foram assinados pelos legistas Valdeci Tagliari e Eduardo Bruno. Fotos e perícia de local, feitas pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli (RJ), mostram os corpos. Os peritos, que compareceram ao local a 1h50 do dia 30 de março, registraram em histórico ao diretor do DOPS, “que os exames se tornaram prejudicados face ao local se encontrar desfeito”, limitando-se portanto a constatar e fotografar os corpos. O laudo de Antonio Marcos registra “feridas transfixantes de tórax e abdômen com perfuração de pulmão, coração, fígado, estômago e rins, hemorragia interna e anemia aguda consecutiva”. O corpo chegou ao IML com a guia nº 3, como desconhecido. Conseguiu ser retirado por seu pai,em 10/04/1972, por pressão da Igreja, pois seu tio era padre influente no Rio de Janeiro. Mas foi entregue num caixão lacrado, onde só aparecia o rosto. Ao mesmo tempo, foram feitas ameaças para que não abrissem o caixão e nem denunciassem as condições em que havia sido entregue. O enterro, em 11/04/1972, realizado no Cemitério São Francisco Xavier, teve a presença de policiais que continuaram com as ameaças.
A família de Lígia morava em São Paulo e recebeu a visita de um agente policial, que buscava informações sobre ela, pouco antes de ver anunciada sua morte por noticiário na televisão. Lígia foi reconhecida no IML pelo irmão Francisco, médico, no dia 07/04, comprovando a presença em seu ''corpo de escoriações e manchas escuras nas costas e nas regiões laterais do corpo, além das marcas de tiros na cabeça e no braço.
Segundo o informe nº 19/72 do DOI/I Exército, difundido internamente para diversos órgãos de segurança, Wilton teria sido morto na oficina mecânica da VAR-Palmares em Cavalcanti, local onde os carros eram pintados, seus motores recebiam números falsos e as placas eram trocadas.
Além da morte de Wilton, teria havido a prisão de um militante, que não é identificado, e a fuga de outro, cujo nome tampouco foi revelado.
Documentos localizados no IML e no DOPS/RJ mostram que, em 30/03/1972, o cadáver que deu entrada com a guia nº 4 morto um dia antes, fora identificado como Wilton Ferreira. O atestado de óbito, firmado por Valdecir Tagliari informa que morreu devido a feridas transfixantes
do tórax, abdômen e perfuração dos pulmões, indicando que seria de cor branca e teria 25 anos presumíveis. O reconhecimento teria sido feito através de suas digitais, confrontadas no Instituto Felix Pacheco. Estranhamente, em resposta à solicitação de informações da CEMDP, o Instituto Felix Pacheco informou que Wilton não requereu a carteira de identidade. Forneceu, entretanto, seu número de RG, acrescentando que era natural do Rio de Janeiro, filho de Maria Ferreira Dias. Wilton foi enterrado como indigente no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, no Rio, em 27/06/1972, o que é mais estranho ainda, por ocorrer quase três meses após a morte. Em 06/02/1978, seus restos mortais foram para um ossuário geral e, no início da década de 80, transferidos para uma vala clandestina com cerca de 2.000 ossadas de indigentes. Não tendo sido localizados seus familiares, o processo na CEMDP foi retirado de pauta sem exame do mérito.
O primeiro processo a ser votado na Comissão Especial foi o de Antonio Marcos, tendo sido os pedidos dos familiares de Lígia e Maria Regina distribuídos ao mesmo relator. Com a constatação de tamanhas contradições e omissões nos documentos oficiais, além da prova documentada pelos próprios peritos do Instituto Carlos Éboli de que o local da morte fora alterado, a CEMDP acompanhou por unanimidade o voto do relator nos três processos, deferindo os pedidos. O caso Wilton não foi julgado porque sem a localização de parentes restaria descumprir o quesito essencial da Lei nº 9.140/95."
(Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos)

Jorge Leal Gonçalves Pereira (1938-1970)

Desaparecido político, seu nome integra a lista anexa à Lei nº 9.140/95. Baiano de Salvador, engenheiro eletricista, trabalhou na Petrobras, na Refinaria de Mataripe, sendo preso em abril de 1964 e, nesse mesmo ano, demitido da empresa estatal. Foi casado com Ana Néri Rabello Gonçalves Pereira, com quem teve quatro filhos. Após ser libertado trabalhou na Coelba – Companhia de Eletricidade da Bahia. Foi seqüestrado na rua Conde de Bonfim, na Tijuca, Rio de Janeiro, no dia 20/10/1970, por agentes do DOI-CODI/RJ. Levado para aquele destacamento no Batalhão de Polícia do Exército, foi acareado com o estudante Marco Antônio de Melo, com quem tinha marcado um encontro de rua. Cecília Coimbra, psicóloga e fundadora, mais tarde, do Grupo Tortura Nunca Mais, presa no DOI-CODI/RJ naquele momento, viu Jorge sendo levado para interrogatório.
Em 06/12/1971, o advogado de Jorge Leal conseguiu a suspensão da audiência de um processo na 1ª Auditoria da Aeronáutica, no Rio de Janeiro com 63 réus acusados de pertencerem à AP, pelo fato de seu constituinte não ter sido apresentado ao tribunal, mesmo estando preso conforme informações de outros acusados. O Conselho de Justiça decidiu ouvir, então, o depoimento de Marco Antonio de Melo, que confirmou a prisão de Jorge no DOI-CODI. Mesmo assim, o I Exército oficiou à Auditoria da Aeronáutica negando o fato.
Em novembro de 1972, a mãe de Jorge Leal, senhora Rosa Leal Gonçalves Pereira, enviou uma carta, que não obteve resposta, à esposa do presidente da República, senhora Scyla Médici, com o seguinte teor: “Há dois anos meu filho Jorge foi preso na Guanabara. Jorge é casado, tem quatro filinhos e eu, como mãe e avó, venho lhe pedir para ter pena destas crianças que ainda tão pequenas estão privadas do seu amor e do seu carinho. Os meninos têm 8, 6, 4 e 2 anos.(...)E a menina está com 2 anos e meio, e esta não conhece o pai. D. Scyla, perdoe-me tomar algum tempo seu para me ouvir, mas acho que não tenho outra pessoa a quem me dirigir. Assim faço neste momento, lhe dirijo o pedido de uma mãe e avó à outra: onde está Jorge”?
Nos arquivos do DOPS/PR o nome de Jorge figura numa gaveta com a identificação de “falecidos”. Em 08/04/1987, a revista IstoÉ, na matéria “Longe do Ponto Final”, publicou revelações de Amílcar Lobo, médico cassado pelo Conselho Federal de Medicina em 1989 por participar das sessões de tortura, que afirmava ter visto Jorge no DOI-CODI/RJ, sem precisar a data. A morte de Jorge e de mais outros 11 desaparecidos foi confirmada por um general entrevistado pelo jornal Folha de S. Paulo, no dia 28/01/1979, cujo nome não foi publicado.

Fernando da Silva Lembo (1952-1968)


"Dias antes de completar 16 anos de idade, o comerciário Fernando da Silva Lembo morreu baleado pela PM do Rio de Janeiro. Ele foi uma das inúmeras vítimas da repressão política exercida contra manifestações de protesto que ocorreram naquela cidade no dia 21/06/1968 A virulência policial atingiu tal escala, nessa data, que ensejou a realização de uma gigantesca manifestação cinco dias depois, a histórica Passeata dos Cem Mil, quando a população do Rio tentou dar um basta à escalada repressiva das autoridades de segurança do regime militar.
Atingindo na cabeça, Lembo foi levado para o Hospital Souza Aguiar. Lá, permaneceu em estado de coma e faleceu no dia 1º de julho. O legista Alves de Menezes definiu como causa mortis: “ferida penetrante no crânio com destruição parcial do cérebro”.
O benefício de indenização, segundo o relator, encontra “tutela jurídica no texto da Lei nº 10.875/04 que contempla todas as vítimas da violência política, ainda que não fossem participantes ativos das manifestações de rua”. No requerimento encaminhado à CEMDP, a família de Lembo tomou como exemplo o processo de Edson Luiz, morto em condições muito semelhantes. O relator acolheu a petição “em homenagem
à Lei mais favorável que entrou em vigor no ano de 2004, e que vem sendo invocada para fundamentar o direito em casos análogos”.
O estudante morreu no Hospital Souza Aguiar. O boletim de informações fornecido pelo IML/RJ, documento indispensável para a remoção do cadáver, também informa que Lembo, ao ser internado naquele hospital, apresentava “ferida por projétil de arma de fogo com orifício de entrada na região temporal. Projétil localizado na região occipital”. O relator afirma não haver dúvida de que Lembo morreu vítima da
violência policial, o que também é comprovado por matéria jornalística anexada aos autos."
Dossiê Memória e Verdade, COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS



Manoel Rodrigues Ferreira (1950-1968)

Manoel morreu no Rio de Janeiro, em 05/08/1968, depois de ser ferido na cabeça por duas balas, na avenida Rio Branco, esquina com Sete de Setembro, quando participava da mencionada manifestação de 21 de junho. Ele foi socorrido no Hospital Souza Aguiar e operado. Em seguida, foi transferido para a Casa de Saúde Santa Luzia e, posteriormente, para o Hospital Samaritano, onde não resistiu, conforme consta no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos. O corpo do estudante entrou no IML/RJ pela Guia n° 85, da 10ª DP. O atestado de óbito (n° 92.932) foi assinado pelo legista Rubens Pedro Macuco Janini, tendo como declarante Francisco de Souza Almeida. O enterro, realizado pela família, aconteceu no Cemitério de Inhaúma (RJ).
O estudante trabalhava em uma loja chamada 5ª Avenida, no centro da cidade. Ao chegar para trabalhar observou que a passeata avançava e estava cada vez mais perto de seu local de trabalho. Naquele dia as lojas fecharam mais cedo. Ao ver uma pessoa tombar na manifestação, o rapaz correu ao seu encontro e ficou de joelhos, tentando socorrer o ferido, quando recebeu os tiros que o mataram 45 dias depois.
O Judiciário reconheceu a responsabilidade civil do Estado, concedendo indenização e pensão requeridas pelos familiares, conforme documentos anexados ao processo. Estava provado que Manoel foi vítima da violência política, mas não existiam provas de que o ocorrido se dera sob o domínio direto dos agentes do poder público. O presidente da CEMDP, à época, solicitou nova diligência para melhor análise do caso. O processo foi novamente protocolado em 12/12/2002. O novo relator destacou que “Manoel foi assassinado durante o regime militar, tendo como prova o exame de corpo de delito anexado nos autos; que a família ganhou o caso contra o Estado na Justiça do Estado do Rio de Janeiro, comprovando a relação entre a morte de Manoel e a manifestação pública, sendo deferido com base na Lei nº 10.875 de 01/06/2004.

Edu Barreto Leite (1940-1964)

"A morte do gaúcho Edu Barreto Leite – 3º sargento do Exército que trabalhava no serviço de Rádio do Ministério da Guerra – apenas 13 dias depois da deposição de João Goulart, foi anunciada pelas autoridades do novo regime como suicídio. Ele teria se atirado pela janela, pouco antes de agentes de segurança invadirem seu apartamento, na rua Frei Caneca, no Rio de Janeiro. Ao buscar maiores esclarecimentos sobre o ocorrido, porém, seu irmão Danton Barreto Leite ouviu do zelador do prédio uma história diferente. O zelador escutou muitos disparos e
ruídos de luta corporal dentro do apartamento, testemunhando que Edu foi jogado pela janela. Uma moradora do prédio em frente estava acordada, com a luz apagada, junto à janela, e repetiu exatamente a mesma versão.
Danton Barreto Leite foi avisado da morte por um amigo de Edu, que leu a notícia na imprensa. Na mesma noite, ligou para o Exército atrás de informações. Como ninguém lhe prestasse qualquer esclarecimento, no dia seguinte seguiu de Porto Alegre para o Rio, chegando ao Ministério da Guerra somente depois do enterro. Os militares alegaram não ter avisado a família por desconhecer o endereço, o que é pouco
plausível na disciplina tradicional do Exército. Danton foi levado a uma sala de reuniões onde os militares tentaram convencê-lo de que o irmão, “comunista e subversivo”, havia se suicidado, saltando do sétimo andar do prédio onde morava. Sentiu que se não concordasse com aquela versão seria detido, mas não ficou convencido. No dia 15 de abril, esteve no apartamento de Edu, lacrado pelo Exército, e conversou com algumas pessoas sem se identificar. Nessa ocasião, ouviu do zelador que cinco indivíduos esperavam Edu quando ele chegou à noite.
Posteriormente, o Exército nomeou uma equipe para conduzir Danton ao apartamento. O local encontrava-se muito revirado e, segundo a noiva de Edu, também presente na ocasião, faltavam objetos pessoais e a máquina fotográfica. O que mais chamou a atenção do irmão foi a porta, com várias perfurações de bala, de fora para dentro, e nenhum vestígio de sangue. No Hospital Souza Aguiar, Danton foi informado de que Edu dera entrada vivo e com fraturas múltiplas no braço esquerdo e nas costelas. O laudo do legista Amadeu da Silva Sales não ajudou a esclarecer as circunstâncias da morte, determinando apenas que o óbito ocorreu em decorrência de “hematoma retro-peritonial ao nível de sigmóide, hematoma da parede vesical”.
As autoridades militares abriram inquérito, mas o 5° Distrito Policial apenas registrou o ocorrido. Um documento de 29/07/1964, assinado pelo presidente em exercício do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Washington Vaz de Mello, relata que nos autos do IPM instaurado para apurar a responsabilidade de dois integrantes do Exército na morte de Edu havia evidências de que ele fora vítima de um acidente, não de um crime.
No relatório para a CEMDP, a relatora observou que o depoimento de Hilton Paulo Cunha Portella, então comandante do Pelotão de Investigações Criminais do 1° Batalhão de Polícia do Exército, deixava clara a natureza política da morte: Edu era acusado de subversão por pertencer ao chamado “Grupo dos Onze”. Em outubro de 1996, a Comissão Especial decidiu que, na falta de perícia, fotos ou do laudo necroscópico de Edu, deveria buscar informações e documentação no Exército. A relatora solicitou, então, a devolução do processo, ao qual também foi anexada a íntegra do IPM. O inquérito não contém documentos importantes para uma avaliação segura dos fatos, como as informações relativas às suspeitas com relação a Edu e o laudo de perícia do local. Também não foram ouvidas as pessoas com outra versão
dos fatos. A relatora deu parecer favorável ao enquadramento legal do caso, mas o processo foi indeferido por 5 a 2, foi acompanhada no voto vencido por Nilmário Miranda.
Em 04/01/2005, depois de reaberto o prazo para apresentação de novos requerimentos, por força da nova Lei, a CEMDP recebeu de outro irmão de Edu, Jacob Barreto Leite, solicitação de reabertura do processo. Em nova apreciação, já à luz da Lei nº 10.875, que reconhecia a responsabilidade do Estado em casos de suicídio – mesmo quando em versões oficiais tão inconsistentes como a relativa a Edu Barreto Leite –, o processo foi então deferido por unanimidade, sendo que a relatora recomendou deixar registrada a necessidade de investigação pelo Estado brasileiro das reais circunstâncias dessa morte sob a responsabilidade do Exército."
Dossiê Memória Verdade, COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Antônio Joaquim de Souza Machado (1939-1971) Carlos Alberto Soares Freitas (1939-1971)

"Militantes da VAR-Palmares, seus nomes integram a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei nº 9.140/95. Antonio Joaquim e Carlos Alberto foram presos em 15/02/1971 por agentes do DOI-CODI/RJ, na pensão em que se hospedavam à rua Farme de Amoedo, 135, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Na mesma data e local foi preso, mais tarde, Sérgio Emanuel Dias Campos, que sobreviveu.

Em depoimento à 2ª Auditoria do Exército, no Rio de Janeiro, em 14/11/1972, a presa política Maria Clara Abrantes Pêgo, amiga de infância e condenada sob a acusação de integrar, com Antonio Joaquim, a célula de documentação regional da VAR-Palmares na Guanabara, fez impressionante relato das torturas a que foi submetida e denunciou o desaparecimento e possível morte de Antonio Joaquim na Polícia do Exército, sede do DOI-CODI/RJ. O historiador e ex-preso político Jacob Gorender, em seu livro Combate nas Trevas, menciona que Antonio Joaquim seria a única pessoa em contato com o banido Aderval Alves Coqueiro, morto, também no Rio, nove dias antes.

Foi através de uma carta de Carlos Alberto que a família soube de sua prisão. “Esta carta só lhes será enviada se eu estiver preso. A forma de como lhes chegou, não importa”. Carlos Alberto orientava os pais a respeito de como proceder para “conseguir minorar as torturas, já que era impossível detê-las de todo, a não ser num segundo momento. Tem-se que incomodá-los. Encher-lhes a paciência com visitas, com insistência para ver-me. Recusam continuadamente. No princípio eles negam a prisão. Dizem mesmo que a pessoa não foi presa. Insistam, voltem à carga. Tentem de novo, mais uma vez, outra, gritem, chorem, levem cartas, enfim, não lhes dêem sossego. Sempre se consegue romper a barreira”.

Quando de sua prisão e desaparecimento, seus familiares fizeram tudo isso que Carlos Alberto propôs na carta premonitória, e muito mais. Foram mobilizados importantes advogados como Sobral Pinto, Oswaldo Mendonça e Modesto da Silveira. Apelos dos familiares foram encaminhados às mais importantes autoridades do regime, como o presidente Garrastazu Médici e o chefe do Gabinete Militar João Baptista Figueiredo, além do ministro do STM general Rodrigo Octavio Jordão Ramos. Nenhuma Informação foi apresentada pelo Estado brasileiro aos familiares até os dias de hoje.

Ao relatar o que viveu na prisão, a militante da VPR Inês Etienne Romeu, amiga e companheira de Carlos Alberto desde a faculdade, sobrevivente do cárcere clandestino em Petrópolis (RJ) que ficou conhecido como “Casa da Morte”, declara que um dos carcereiros que a mantinha seqüestrada no local, conhecido por ela como “Dr. Pepe”, confirmou-lhe que seu grupo executara Carlos Alberto, por cuja prisão, em fevereiro, havia sido responsável. Disse-lhe, ainda, que seu grupo não se interessava em ter líderes presos e que todos os cabeças seriam executados, depois de interrogados.

Vários outros depoimentos de presos políticos nas auditorias militares denunciaram a prisão e desaparecimento de Carlos Alberto e Antonio Joaquim. Amílcar Lobo, que na época era tenente-médico do Exército, admitiu ter atendido presos políticos na “Casa da Morte” e também no DOICODI/RJ, tendo reconhecido Carlos Alberto dentre as fotos de pessoas que atendera no Quartel da Polícia do Exército entre 1970 e 1974.

Em resposta ao habeas-corpus impetrado em maio de 1971 em nome dos três presos na mesma pensão de Ipanema, os comandos regionais das três armas responderam negativamente, sendo que, no caso da Aeronáutica, o brigadeiro João Bosco Penido Burnier, também denunciado como mandante de torturas e responsável pela eliminação de presos políticos, enviou resposta negativa a respeito de Carlos Alberto
e Antonio Joaquim, mas positiva quanto a Sérgio Campos."

(COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS - Secretaria Especial dos Direitos Humanos. 2007)

Rubens Beirodt Paiva (1929-1971)

"Rubens formou-se engenheiro civil em 1954, na Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, em São Paulo, sendo escolhido orador da turma. Quando universitário, foi presidente do centro acadêmico de sua faculdade e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo. Também desenvolveu atividades jornalísticas.

Parlamentar muito ativo, defensor das bandeiras nacionalistas desde a luta pela criação da Petrobras, Rubens Paiva foi cassado pelo primeiro Ato Institucional como represália a sua corajosa participação na CPI do IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que apurou o recebimento de dólares provenientes dos Estados Unidos por segmentos de direita, inclusive militares, que estariam envolvidos na geração do ambiente político favorável ao Golpe de Estado que terminou se consumando em abril de 1964.

Não sendo militante de qualquer organização clandestina de oposição ao regime ditatorial, voltou a se instalar em seu país, mantendo atividade empresarial regular e próspera. Há registros de que, em 1970, teria reunido documentação empresarial a respeito de corrupção em contratos para a construção da ponte Rio-Niterói, uma das obras que foram conduzidas como alta prioridade pelo regime militar, no período repressivo mais agudo.

No dia 20/01/1971, feriado de São Sebastião do Rio de Janeiro, depois de voltar da praia com duas filhas e receber telefonema de uma pessoa que dizia querer entregar-lhe correspondência do Chile, sua residência, no Leblon, foi invadida, vasculhada e ocupada por agentes dos órgãos de segurança. Rubens tratou de acalmar a todos e foi levado preso, tendo dirigido seu próprio carro até o Quartel da 3ª Zona Aérea, junto ao aeroporto Santos Dumont. Foi essa a última vez que a família o viu. No dia seguinte, sua mulher e Eliane, a filha de 15 anos, foram presas e levadas para o DOI-CODI/RJ, onde permaneceram sem poder se comunicar com Rubens, apesar de os agentes policiais confirmarem que ele se encontrava lá. Interrogadas várias vezes, Eliana foi libertada 24 horas depois e Eunice apenas no dia 2 de fevereiro. Ao ser solta, Eunice viu o carro de Rubens no pátio interno do quartel, que posteriormente lhe foi entregue sob recibo.

Para justificar o desaparecimento de Rubens, o Exército divulgou nota à imprensa informando que ele teria sido resgatado por terroristas quando era transportado pelos agentes do DOI-CODI, em 22/01/1971. Tentando dar credibilidade à fuga, as autoridades do Estado fizeram registros do suposto seqüestro na Delegacia Policial da Barra da Tijuca. Abriram sindicância para investigar e deliberadamente
suspenderam a férrea censura que impunham a esse tipo de noticiário, convocando a imprensa para cobrir a investigação. Mas a história montada era completamente inverossímil. Pela primeira vez, o regime militar começou a ser pressionado publicamente a responder pelos assassinatos sob tortura.

Eunice Paiva recorreu ao STM, tendo negado o seu recurso. O caso foi também levado ao CDDPH – Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, mas o seu presidente, ministro da Justiça Alfredo Buzaid, desempatou a votação para indeferir o pedido de investigação. A morte de Rubens Paiva também é referida no relatório feito por Inês Etienne Romeu, sobrevivente da “Casa da Morte”, em Petrópolis. Ela
relata que um de seus carcereiros, conhecido como “Dr. Pepe” contou-lhe que haviam cometido um erro ao matar Rubens Paiva. Trechos da reportagem de Márcio Bueno, publicada em Retratos do Brasil, 23 a 29 de março de 1987, com o título “O caso Rubens Paiva, um homicídio executado e até hoje acobertado pelos setores militares” recolhida do sitewww.desaparecidospoliticos.org.br, resgata os fatos com todos
os seus detalhes.

Em 1985, foi solicitada a reabertura do inquérito pelo procurador geral da Justiça Militar, Francisco Leite Chaves. Presidido pelo delegado Carlos Alberto Cardoso, o inquérito conduziu as investigações até concluir que Rubens Paiva fora morto nas dependências do Pelotão de Investigações Criminais/RJ. Quando chegou a este ponto, o encarregado julgou-se incompetente para prosseguir e remeteu o inquérito para
a Justiça Militar.

O comandante militar da Região Leste, general Brum Negreiros, indicou o general Adriano Áureo Pinheiro para presidir o IPM. O general Adriano não pediu a indicação de um procurador para acompanhar as investigações, como é praxe nesses casos, cabendo a iniciativa ao próprio Leite Chaves, que indicou o procurador Paulo César de Siqueira Castro. Paulo César enfrentou inúmeras dificuldades para se desincumbir
de sua missão, mas persistiu no esforço. O presidente do inquérito impediu que ele acompanhasse as investigações, recusou-se a ouvir as testemunhas indicadas e, por fim, ignorou o prazo de 40 dias que teria para concluir o IPM.

Diante de tantas barreiras, Paulo César começou a fazer investigações paralelas, justificando sua atitude com a falta de confiança quanto ao interesse do encarregado do IPM em realmente apurar os fatos. Chegou a cinco nomes indicados por Leite Chaves como responsáveis

pelas torturas, morte e ocultação do cadáver de Rubens Paiva: coronel Ronald José da Motta Batista Leão, capitão de Cavalaria João Câmara Gomes Carneiro, apelidado na Academia Militar de João Coco, o sub-tenente Ariedisse Barbosa Torres, o major PM/RJ, Riscala Corbage e o segundo-sargento Eduardo Ribeiro Nunes. Em março de 1987, o delegado Carlos Alberto foi assassinado em um duvidoso assalto.

Em todos esses anos, surgiram muitas hipóteses a respeito de onde estaria o corpo de Rubens Paiva. Buscas e escavações foram feitas, sem qualquer resultado. O caso do parlamentar cassado e desaparecido foi evocado por Ulisses Guimarães no emocionado discurso em que promulgou, em 05/10/1988, na qualidade de presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a nova Carta Magna que marcou o reencontro
do Brasil com o Estado Democrático de Direito."

(Direito a Memória e a Verdade - Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Subsecretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2007)

Luiz Paulo da Cruz Nunes (1947-1968)

O estudante Luiz Paulo da Cruz Nunes cursava o segundo ano da Faculdade de Medicina da UERJ (à época Universidade do Estado da Guanabara), sendo também estagiário em patologia, quando foi morto, aos 21 anos, no Rio de Janeiro, depois ter sido atingido por um tiro em manifestação estudantil em frente à sua faculdade, no dia 22/10/1968. Internado no próprio Hospital Pedro Ernesto, local da manifestação, com ferimento no crânio, foi operado mas faleceu na mesma data. A necrópsia foi realizada pelos legistas João Guilherme Figueiredo e Nelson Caparelli. De acordo com o médico Lafayette Pereira, colega de turma de Luiz Paulo, os dois estiveram com cerca de outros 600 alunos protestando contra o regime militar no dia 22/10/1968, à tarde, em frente ao Hospital Pedro Ernesto, no bairro de Vila Isabel, quando um camburão da polícia estacionou em frente aos manifestantes e cinco pessoas armadas com pistolas calibre 45 saltaram e descarregaram suas armas contra eles. Acuados pela estreita porta de entrada para o hospital, não tiveram para onde correr. Cerca de 10 colegas foram baleados, mas o único com gravidade foi Luiz Paulo, atingido na cabeça. “Faleceu na mesa de cirurgia do hospital que ele, ainda jovem, já gostava de freqüentar como estudante brilhante que foi. Assisti à luta dos neurocirurgiões para salvar-lhe a vida. Teve duas paradas cardíacas que foram recuperadas e uma terceira, definitiva, às 21 horas”, contou Lafayette.