Choque pode ser encontro de dois corpos em movimento, assim como em uma batida entre carros, como o carro do Secretário Municipal de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, que segundo o jornal “O Globo” possui 11 multas não pagas enquanto fica estacionado em filas duplas pela cidade. Ou um choque entre trens, como o que aconteceu em Austin, Baixada Fluminense, em agosto de 2007, que matou oito pessoas, fato que não fez o Secretário de Transportes do Governador Sérgio Cabral, Júlio Lopes, deixar de no mesmo dia passear pela cidade com os inspetores da FIFA para Copa do Mundo, posando para as câmeras de televisão. Quantas vidas valem uma Copa do Mundo? E uma Olimpíada?
Choque pode ser também uma perturbação súbita do equilíbrio mental ou uma crise aguda de insuficiência cardiovascular... tudo muito de repente, muito rápido, sem tempo para reflexão.
- O paciente sofreu um choque anafilático na mesa de cirurgia – suas vias respiratórias fecharam e de súbito ele parou de respirar. O que fazer? Tudo, menos continuar a operação.
A definição mais comum de choque é a de “sensação produzida por uma descarga elétrica”, assim como a descarga elétrica produzida pelos bastões de choque que o prefeito Eduardo Paes pretende armar a Guarda Municipal do Rio de Janeiro, juntamente com um pacote de armas “não letais” que, segundo a Secretaria Especial da Ordem Pública, serão usadas para “conter situações de extrema necessidade, como tumultos provocados por ambulantes.” É... spray de pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Tudo isso nos faz lembrar de Buhuss Skinner. Skinner foi um psicólogo americano, ou estadunidense, como queiram. Skinner foi um dos precursores da chamada “psicologia comportamental”. Skinner trancava ratos em uma gaiola que ficou conhecida como “Caixa de Skinner”. Entre vários experimentos, Skinner colocava ratos sem alimentação durante dias dentro da gaiola. Na gaiola existia uma barra que se fosse apertada, o rato conseguia um pedaço de comida, mas levaria também um choque elétrico considerável.
- E aí rataria, vai morrer de fome ou vai morrer de choque? Não interessa como, o importante é que vocês morram, desapareçam.
Sem exagero, certamente é assim que pensa uma minoria de pessoas que são eleitas representantes pela maioria, nós estamos cansados de saber disso. Ou será que não?
Ou será que em troca de um bocado de comida e um choquezinho mais tranqüilo e moderado,um choquezinho “não letal” , deixamos ser governados, enquanto os esfomeados não apenas de comida, esfomeados também de arte, cultura, paixão, lazer, saúde, habitação, vida - revitalização de verdade,levam os choques de ordem da história: a cadeira elétrica, a terapia de choque nos manicômios, o açoites em praça pública da escravidão, os golpes da tropa de choque da polícia?
E assim vivemos em nossas gaiolas, nos muros dos condomínios, em volta das favelas, ou no meio da rua entre muros e grades, mas sem teto. Assim é a reforma urbana feita pelo interesse de especulação imobiliária, das grandes construtoras - nossas gaiolas de Skinner onde as pessoas são aprisionadas levando choques “não-letais” no dia-a-dia, choques controlados só pra modelar o comportamento, onde a vida do indivíduo se destrói sob o concreto armado. Armado por quem? Armado pra quem? Essa é a ordem do choque.
O anarquista francês Pierre Joseph Proudhon, em um discurso feito há quase 160 anos e com data de validade pros próximos 160 no mínimo, dizia que:
“Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.
Ser governado é ser, em cada operação, em cada transação, em cada movimento, notado, registrado, arrolado, tarifado, timbrado, medido, taxado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, estorvado, emendado, endireitado, corrigido.
É, sob pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral: ser pedido emprestado, adestrado, espoliado, explorado, monopolizado, concussionado, pressionado, mistificado, roubado;
Depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa: reprimido, corrigido, vilipendiado, vexado, perseguido, injuriado, espancado, desarmado, estrangulado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, para não faltar nada, ridicularizado, zombado, ultrajado, desonrado.
Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral!
E dizer que há entre nós democratas que pretendem que o governo prevaleça; socialistas que sustentam esta ignomínia em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade; proletários que admitem sua candidatura à presidência! Hipocrisia!”
Depois de Proudhon não precisa dizer mais nada! E olha que foi há quase 160 anos...
PROUDHON, Pierre-Joseph. A propriedade é um roubo. L&PM Pocket. Porto Alegre. 1997, p.98-99.