sexta-feira, 29 de março de 2013

Antônio Marcos Pinto Oliveira (1950-1972) Lígia Maria Salgado Nóbrega (1947-1972) Maria Regina L. Leite de Figueiredo (1938-1972) Wilton Ferreira (?-1972)


Esses quatros militantes da VAR-Palmares foram mortos no Rio de Janeiro em 29/03/1972, em circunstâncias até hoje não esclarecidas, ficando o episódio registrado como “Chacina de Quintino”. A versão dos órgãos de segurança só foi divulgada uma semana depois, em 06/04/1972. A manchete dos jornais informava que nove militantes teriam se entrincheirado na casa 72, na Avenida Suburbana, nº 8695,
bairro de Quintino, naquela data, tendo três deles morrido no local (Antônio Marcos, Lígia Maria e Maria Regina), enquanto os demais teriam conseguido fugir. Segundo o “livro negro” do Exército, essa residência seria o aparelho onde moravam James Allen da Luz, o principal dirigente da VAR naquele momento e Lígia Maria. O número da casa também é informado em documentos oficiais como sendo 8988. Outro militante, ainda não identificado segundo as informações publicadas, teria morrido em uma oficina mecânica da VAR-Palmares, em Cavalcanti. O “livro negro” o indica como sendo Hilton Ferreira, com H no nome, em vez de W.
As primeiras notícias trocavam as identidades dos mortos. Entre os nomes de Quintino, não se incluía Antonio Marcos e sim James Allen da Luz, dirigente da mesma organização, que fugiu do cerco. Maria Regina era citada como morta, mas a foto publicada era de Ranuzia Alves Rodrigues, que morreria em 1973. Somente o nome de Ligia aparecia corretamente, mas a entrada de seu corpo no IML, datada de
30 de março pela guia nº 1, é de uma desconhecida, assim como dos outros. Dias depois, foi divulgado o nome Hilton Ferreira como sendo a identidade do militante morto na oficina mecânica, à Rua Silva Vale, 55, Cavalcanti.
Antônio Marcos era carioca, seminarista e atuou no Movimento Estudantil entre 1966 e 1968. Estudou no Colégio João Alfredo, onde teve uma de suas poesias premiada em concurso interno do colégio. Durante o seminário participou de um trabalho comunitário em Osvaldo Cruz, subúrbio do Rio, na paróquia do Padre João Daniel. Depois de militar na Ala Vermelha, ingressou na VAR-Palmares. Em 1971 foi
do a ir para a clandestinidade, quando foram presos vários companheiros do trabalho comunitário em Osvaldo Cruz, noticiado na imprensa como Grujoc, isto é, Grupo de Jovens de Osvaldo Cruz. Foi morto aos 22 anos.
Lígia Maria nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, mas viveu desde criança em São Paulo, terceira numa família de seis irmãos. Tinha estudado no Colégio Estadual Fernão Dias Pais, no bairro de Pinheiros, onde fez o Curso Normal. Em 1967, ingressou na Pedagogia da USP, onde se destacou por sua capacidade intelectual, pela liderança no Grêmio da Pedagogia e por buscar modernizar métodos de ensino. Trabalhava também como professora. Em 1970, engajou-se nas atividades clandestinas da VAR-Palmares. Os órgãos de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro inglês, David Cuthberg, em 5/2/1972, numa ação que pretendia simbolizar a solidariedade dos Revolucionários brasileiros com a luta do povo irlandês e com o IRA. Foi morta aos 24 anos, quando estava grávida de dois meses.
Maria Regina nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta dentre seis filhos de um médico pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz e de uma assistente social do Inamps. Fez o primário e o ginásio no Colégio Sacre-Couer de Jesus e o científico nos colégios Resende e Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia. Formou-se em Pedagogia em 1960, pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Foi integrante da JEC e da JUC e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base-MEB, apoiado pela Igreja Católica. Ali permaneceu entre dois e três anos, sendo transferida para Recife, onde conheceu Raimundo Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966, sendo então militantes da AP. Juntos, trabalharam em um projeto de educação de índios no Paraná, por meio da Funai. Raimundo tinha sido morto em 28 de abril de 1971, em Recife, conforme já registrado neste livro-relatório. Após a morte do companheiro, Maria Regina voltou ao Rio de Janeiro. O casal deixou duas filhas: Isabel e Iara, que tinham três e quatro anos quando a mãe foi morta, aos 33 anos.
Consta, no “livro negro” do Exército, que Maria Regina era a responsável pelo setor de imprensa da organização no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária.
Sobre Wilton, a CEMDP não possui qualquer dado e nem sequer a certeza de ser este o seu nome verdadeiro. O processo foi protocolado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos na expectativa de que sua família pudesse ser localizada, o que não ocorreu. Seu nome constava em dossiês anteriores como Wilson Ferreira ou como Hilton Ferreira, nome que também consta nos documentos oficiais relativos à morte, junto ao de Onofre Rodrigues de Moraes, que seria sua identidade falsa.
A verdade dos fatos nunca foi estabelecida. James Allen da Luz, que estava na casa de Quintino e conseguiu fugir, relatou a companheiros que chegou a ver quando Maria Regina foi ferida na perna, sendo presa pelos agentes policiais. Sua família, ao receber o corpo, constatou que tinha a perna inchada, o que indica não ter morrido naquele momento. Maria Regina estivera na véspera na casa de sua irmã Maria Alice, onde viviam suas duas filhas, tendo ali pernoitado, o que fazia com alguma freqüência. No dia seguinte, despediu-se dos familiares no bairro de Bonsucesso. A família viajou e somente no dia 3 de abril. Maria Alice foi avisada por telefone da prisão de Maria Regina no dia 29 de março, com a informação de que fora ferida na perna.
O telefonema alertava a família para que a buscasse imediatamente, pois estava presa há muitos dias. Procuraram imediatamente o Departamento de Relações Públicas do Exército, que negou a prisão. Mas, por meio de um militar amigo, souberam que ela estava presa, em situação muito grave. No dia 5 de abril, no início da tarde, o mesmo amigo informou à família que ela acabara de morrer e que as notícias seriam divulgadas ainda naquela noite e nos jornais do dia seguinte, o que de fato ocorreu, mas com a falsa versão de morte em tiroteio e sem a sua identificação.
No dia 6 de abril, ao comparecer ao IML para reconhecer o corpo, sua irmã e o cunhado, ambos médicos, constataram escoriações generalizadas e marcas de vários tiros, que segundo eles certamente eram posteriores ao alojado na perna, onde havia reação inflamatória. O corpo ainda não fora necropsiado e tiveram que providenciar prova datiloscópica para que fosse liberado. Em 7 de abril, foi finalmente fornecido o óbito, assinado por Eduardo Bruno, tendo como base autopsia detalhada que teria sido feita em 30 de março, antes da data em que os familiares viram o corpo, que não possuía nenhuma sutura da incisão de autopsia.
Maria Regina dera entrada no IML como desconhecida, com a guia nº 2, proveniente do DOPS, com a data da morte de 30 de março. Portanto, morreu no dia seguinte à sua prisão. O laudo dizia que a morte foi causada por “feridas transfixantes de crânio e tórax com destruição parcial do encéfalo, lesão da artéria aorta, hemorragia interna e conseqüente anemia aguda”. Os familiares denunciaram, em seu pedido à CEMDP, a existência do laudo necroscópico detalhado e assinado, com data anterior à morte, quando podiam testemunhar que o cadáver não apresentava incisão de autopsia. Maria Regina foi sepultada pela família no Cemitério São João Batista.
Os quatro laudos foram assinados pelos legistas Valdeci Tagliari e Eduardo Bruno. Fotos e perícia de local, feitas pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli (RJ), mostram os corpos. Os peritos, que compareceram ao local a 1h50 do dia 30 de março, registraram em histórico ao diretor do DOPS, “que os exames se tornaram prejudicados face ao local se encontrar desfeito”, limitando-se portanto a constatar e fotografar os corpos. O laudo de Antonio Marcos registra “feridas transfixantes de tórax e abdômen com perfuração de pulmão, coração, fígado, estômago e rins, hemorragia interna e anemia aguda consecutiva”. O corpo chegou ao IML com a guia nº 3, como desconhecido. Conseguiu ser retirado por seu pai,em 10/04/1972, por pressão da Igreja, pois seu tio era padre influente no Rio de Janeiro. Mas foi entregue num caixão lacrado, onde só aparecia o rosto. Ao mesmo tempo, foram feitas ameaças para que não abrissem o caixão e nem denunciassem as condições em que havia sido entregue. O enterro, em 11/04/1972, realizado no Cemitério São Francisco Xavier, teve a presença de policiais que continuaram com as ameaças.
A família de Lígia morava em São Paulo e recebeu a visita de um agente policial, que buscava informações sobre ela, pouco antes de ver anunciada sua morte por noticiário na televisão. Lígia foi reconhecida no IML pelo irmão Francisco, médico, no dia 07/04, comprovando a presença em seu ''corpo de escoriações e manchas escuras nas costas e nas regiões laterais do corpo, além das marcas de tiros na cabeça e no braço.
Segundo o informe nº 19/72 do DOI/I Exército, difundido internamente para diversos órgãos de segurança, Wilton teria sido morto na oficina mecânica da VAR-Palmares em Cavalcanti, local onde os carros eram pintados, seus motores recebiam números falsos e as placas eram trocadas.
Além da morte de Wilton, teria havido a prisão de um militante, que não é identificado, e a fuga de outro, cujo nome tampouco foi revelado.
Documentos localizados no IML e no DOPS/RJ mostram que, em 30/03/1972, o cadáver que deu entrada com a guia nº 4 morto um dia antes, fora identificado como Wilton Ferreira. O atestado de óbito, firmado por Valdecir Tagliari informa que morreu devido a feridas transfixantes
do tórax, abdômen e perfuração dos pulmões, indicando que seria de cor branca e teria 25 anos presumíveis. O reconhecimento teria sido feito através de suas digitais, confrontadas no Instituto Felix Pacheco. Estranhamente, em resposta à solicitação de informações da CEMDP, o Instituto Felix Pacheco informou que Wilton não requereu a carteira de identidade. Forneceu, entretanto, seu número de RG, acrescentando que era natural do Rio de Janeiro, filho de Maria Ferreira Dias. Wilton foi enterrado como indigente no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, no Rio, em 27/06/1972, o que é mais estranho ainda, por ocorrer quase três meses após a morte. Em 06/02/1978, seus restos mortais foram para um ossuário geral e, no início da década de 80, transferidos para uma vala clandestina com cerca de 2.000 ossadas de indigentes. Não tendo sido localizados seus familiares, o processo na CEMDP foi retirado de pauta sem exame do mérito.
O primeiro processo a ser votado na Comissão Especial foi o de Antonio Marcos, tendo sido os pedidos dos familiares de Lígia e Maria Regina distribuídos ao mesmo relator. Com a constatação de tamanhas contradições e omissões nos documentos oficiais, além da prova documentada pelos próprios peritos do Instituto Carlos Éboli de que o local da morte fora alterado, a CEMDP acompanhou por unanimidade o voto do relator nos três processos, deferindo os pedidos. O caso Wilton não foi julgado porque sem a localização de parentes restaria descumprir o quesito essencial da Lei nº 9.140/95."
(Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos)

Um comentário:

  1. Já foi esclarecido pela Comissão da Verdade do Rio agora em outubro que Wilton Ferreira não estava na casa de Quintino com os outros tres mortos + James Allen que fugiu.
    Ele foi morto numa oficina de Cavalcanti na mesma noite e seu corpo levado para o IML onde estavam os outros tres, por isso a confusão.

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