Parlamentar muito ativo, defensor das bandeiras nacionalistas desde a luta pela criação da Petrobras, Rubens Paiva foi cassado pelo primeiro Ato Institucional como represália a sua corajosa participação na CPI do IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que apurou o recebimento de dólares provenientes dos Estados Unidos por segmentos de direita, inclusive militares, que estariam envolvidos na geração do ambiente político favorável ao Golpe de Estado que terminou se consumando em abril de 1964.
Não sendo militante de qualquer organização clandestina de oposição ao regime ditatorial, voltou a se instalar em seu país, mantendo atividade empresarial regular e próspera. Há registros de que, em 1970, teria reunido documentação empresarial a respeito de corrupção em contratos para a construção da ponte Rio-Niterói, uma das obras que foram conduzidas como alta prioridade pelo regime militar, no período repressivo mais agudo.
No dia 20/01/1971, feriado de São Sebastião do Rio de Janeiro, depois de voltar da praia com duas filhas e receber telefonema de uma pessoa que dizia querer entregar-lhe correspondência do Chile, sua residência, no Leblon, foi invadida, vasculhada e ocupada por agentes dos órgãos de segurança. Rubens tratou de acalmar a todos e foi levado preso, tendo dirigido seu próprio carro até o Quartel da 3ª Zona Aérea, junto ao aeroporto Santos Dumont. Foi essa a última vez que a família o viu. No dia seguinte, sua mulher e Eliane, a filha de 15 anos, foram presas e levadas para o DOI-CODI/RJ, onde permaneceram sem poder se comunicar com Rubens, apesar de os agentes policiais confirmarem que ele se encontrava lá. Interrogadas várias vezes, Eliana foi libertada 24 horas depois e Eunice apenas no dia 2 de fevereiro. Ao ser solta, Eunice viu o carro de Rubens no pátio interno do quartel, que posteriormente lhe foi entregue sob recibo.
Para justificar o desaparecimento de Rubens, o Exército divulgou nota à imprensa informando que ele teria sido resgatado por terroristas quando era transportado pelos agentes do DOI-CODI, em 22/01/1971. Tentando dar credibilidade à fuga, as autoridades do Estado fizeram registros do suposto seqüestro na Delegacia Policial da Barra da Tijuca. Abriram sindicância para investigar e deliberadamente
suspenderam a férrea censura que impunham a esse tipo de noticiário, convocando a imprensa para cobrir a investigação. Mas a história montada era completamente inverossímil. Pela primeira vez, o regime militar começou a ser pressionado publicamente a responder pelos assassinatos sob tortura.
Eunice Paiva recorreu ao STM, tendo negado o seu recurso. O caso foi também levado ao CDDPH – Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, mas o seu presidente, ministro da Justiça Alfredo Buzaid, desempatou a votação para indeferir o pedido de investigação. A morte de Rubens Paiva também é referida no relatório feito por Inês Etienne Romeu, sobrevivente da “Casa da Morte”, em Petrópolis. Ela
relata que um de seus carcereiros, conhecido como “Dr. Pepe” contou-lhe que haviam cometido um erro ao matar Rubens Paiva. Trechos da reportagem de Márcio Bueno, publicada em Retratos do Brasil, 23 a 29 de março de 1987, com o título “O caso Rubens Paiva, um homicídio executado e até hoje acobertado pelos setores militares” recolhida do sitewww.desaparecidospoliticos
os seus detalhes.
Em 1985, foi solicitada a reabertura do inquérito pelo procurador geral da Justiça Militar, Francisco Leite Chaves. Presidido pelo delegado Carlos Alberto Cardoso, o inquérito conduziu as investigações até concluir que Rubens Paiva fora morto nas dependências do Pelotão de Investigações Criminais/RJ. Quando chegou a este ponto, o encarregado julgou-se incompetente para prosseguir e remeteu o inquérito para
a Justiça Militar.
O comandante militar da Região Leste, general Brum Negreiros, indicou o general Adriano Áureo Pinheiro para presidir o IPM. O general Adriano não pediu a indicação de um procurador para acompanhar as investigações, como é praxe nesses casos, cabendo a iniciativa ao próprio Leite Chaves, que indicou o procurador Paulo César de Siqueira Castro. Paulo César enfrentou inúmeras dificuldades para se desincumbir
de sua missão, mas persistiu no esforço. O presidente do inquérito impediu que ele acompanhasse as investigações, recusou-se a ouvir as testemunhas indicadas e, por fim, ignorou o prazo de 40 dias que teria para concluir o IPM.
Diante de tantas barreiras, Paulo César começou a fazer investigações paralelas, justificando sua atitude com a falta de confiança quanto ao interesse do encarregado do IPM em realmente apurar os fatos. Chegou a cinco nomes indicados por Leite Chaves como responsáveis
pelas torturas, morte e ocultação do cadáver de Rubens Paiva: coronel Ronald José da Motta Batista Leão, capitão de Cavalaria João Câmara Gomes Carneiro, apelidado na Academia Militar de João Coco, o sub-tenente Ariedisse Barbosa Torres, o major PM/RJ, Riscala Corbage e o segundo-sargento Eduardo Ribeiro Nunes. Em março de 1987, o delegado Carlos Alberto foi assassinado em um duvidoso assalto.
Em todos esses anos, surgiram muitas hipóteses a respeito de onde estaria o corpo de Rubens Paiva. Buscas e escavações foram feitas, sem qualquer resultado. O caso do parlamentar cassado e desaparecido foi evocado por Ulisses Guimarães no emocionado discurso em que promulgou, em 05/10/1988, na qualidade de presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a nova Carta Magna que marcou o reencontro
do Brasil com o Estado Democrático de Direito."
(Direito a Memória e a Verdade - Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Subsecretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2007)
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